15/02/2011

:: sonho ::

conheço uma mulher. possui longos e alvos cabelos que prende cuidadosamente com um travessão de prata envelhecida, de outra era. tem um olhar distante, de viajante. fica longas horas a observar o percurso das nuvens que se passeiam na sua janela. não sei se as observa ou se deseja secretamente que a levem para parte incerta.
segundo contam os vizinhos, pouco fala, pouco se dá a conhecer. mas intrigava-me o seu ar soturno, melancólico, sempre a espreitar por detrás daqueles cortinados às flores tão roçados do tempo. perguntava-me se algum dia terá sido menina ou se sempre se quedou na monotonia dos dias, no rotineiro hábito.
há dias deixei-lhe no parapeito da janela um insignificante malmequer. olhou-o por instantes e pareceu-me antever nos seus olhos de avelã um brilho indelével, um quase imperceptível sorriso que se queria escapar dos seus lábios. voltei no dia seguinte e no outro e no outro. não foi difícil conquistá-la.
ontem muni-me de coragem e bati-lhe à porta. uma porta velha e branca, com um pequeno pássaro de madeira pendurado. demorou a abrir. parecia já destreinada nas artes de socializar, como uma criança envergonhada que se esconde nas saias da mãe. ofereceu-me chá. - chá de cidreira, do quintal. toma-lo com uma colherinha de mel?
não parecia estranhar a minha presença em sua casa. como se estivesse à minha espera.
a colher a mexer o chá, num ritmo compassado era tranquilizante. tudo repousava no mais perfeito sossego. olhei em volta e dei conta de fotografias nas paredes, antigas malas, empoeiradas, uma manta de retalhos meticulosamente dobrada sobre a poltrona que ficava de frente para a lareira, um relógio de cuco. na lareira uma segura chama crepitava. não sei dizer se o rubor das faces da velha era pura timidez ou apenas o calor acolhedor do lume.
parecia perceber o que me levava ali. numa voz sussurrada, pequena, comentou - as andorinhas já partiram. os meus ossos adivinham chuva para os próximos dias.
entre uma e outra chávena de chá lá me foi contando as estórias que carregava. estórias pequenas, de sonhos desfeitos, sonhos realizados, simplicidades. - e agora? já não sonha? - ousei perguntar. olhou para mim demoradamente, como se me perscrutasse a alma e por fim ergueu-se da cadeira de baloiço. pegou-me na mão. levou-me ao quintal e o que vi deixou-me um sabor agridoce na boca. bem ao fundo do quintal, encontrava-se uma árvore de ramos semi-despidos. dos seus galhos pendiam incontáveis retalhos de tecidos com cores esbatidas, esvoaçando na brisa fresca daquele fim de tarde. acariciei-os ao de leve.
- os sonhos... estão aí. suspensos na lembrança do que fui. sou uma sombra somente. um retalho por cada sonho perdido, às vezes esquecido. não tos posso emprestar porque já não me pertencem. mas podes sonhar os teus. sonha por mim, também. desculpa se te assusto, mas há muitos anos que ninguém me oferecia uma flor.


foi naquele instante que, por detrás da pele engelhada, enrugada, vislumbrei a menina que fora.

11/02/2011

abraça os meus sonhos com carinho,
não os deixes voar antes da hora.

segura no meu coração com ambas as mãos. com vontade.
acorda-me de mansinho e sussurra que me amas.
olha-me como se nunca me tivesses visto antes
e deixa que a tua voz mostre que me conheces.

procura uma novidade em mim.
partilha. demora.

faz-me uma canção.
embala-me na doce emoção de te amar.

porque o amor tem tanto de forte como de frágil.

:: guerilla gardening ::








acho que é finalmente este ano que me dedico ao guerilla gardening... :-)

10/02/2011

{frágil}


há flores que nascem nos lugares mais inesperados. às vezes é necessário procurar muito até as achar, desenvolver olhos de olhar e não só de ver. quando as achamos, a sua beleza frágil faz-nos acreditar que ainda há sopros de coisas boas por descobrir mesmo debaixo do nosso nariz.

ainda a memória...

Pode chegar de mansinho ou em modo avalanche.
Roubar-nos o sono ou fazer-nos dormir embalados.
Uma música, palavra, sonho, cheiro, gesto ou rosto pode dar-lhe vida.
Aviva as vivências que já lá vão, fazendo nascer a gratidão ou angústia.
Ter memória é ser transportado para um outro lugar e tempo.
É regressar sem sair do lugar.
Andar perdido no fundo da nossa alma e perder a hora de voltar.
É voar com o pensamento... sentir novamente.
Rever sorrisos. Tirar uma camada de pó às recordações.
A memória liga-nos ao passado de uma forma extraordinariamente presente.
É uma luz que desperta.
Uma saudade que aperta.

02/02/2011

{memória}

É uma luzinha que acende bem no fundo de nós
trazendo uma tempestade de emoções.
Desarruma lembranças guardadas,
Faz sorrir, faz chorar...
Abraça-nos docemente como o sol num dia de Inverno.
Faz brotar a saudade,
Faz crescer a gratidão.
Recorda-nos a vida...
caminhos turtuosos. caminhos planos. caminhos do-arco-da-velha. caminhos rectos. caminhos penosos. caminhos tranquilos.
há caminhos que convidam à contemplação. outros que queremos percorrer rapidamente. alguns pedem companhia, outros solidão. há caminhos que nos moldam, nos definem ou  realçam em nós a passagem do tempo.
há caminhos que conhecemos de cor - aqueles que levam a recantos do passado ou a lugares que nos são queridos. há outros que, por serem desconhecidos, ora temos medo de seguir ora seguimos impetuosamente.
quando cruzamos caminhos com outros é uma festa. a excentricidade que cada pessoa carrega pode alguma vez deixar-nos indiferentes? quer se cruze connosco  por um fragmento de tempo ou uma vida inteira, o facto de termos partilhado caminhos fica para sempre registado num lugar qualquer do nosso mapa de coisas vividas.

01/02/2011



a palavra que me saiu esta semana foi... memória.

29/01/2011

ainda o Inverno...

porque o sol sempre brilha mais depois da chuva...

28/01/2011

O nevoeiro mergulha na rua destilando mistério

E árvores despidas abraçam-no.

A frescura sente-se no ar.

O céu cinzento reúne negras e volumosas nuvens,

Os animais recolhem às suas tocas e esconderijos.

Tic-tac... Os ponteiros avançam um pouco.


Ping, ping...


Começa ela a descer do alto. Primeiro suavemente, depois com mais vigor.


Os chapéus de chuva desfilam pomposamente e os passos são acelerados.

Uma porta é aberta e um menino de gorro sai para fora a correr.

Chapinha numa poça de água e abre um sorriso grande.

É uma manhã de Inverno.

{anatomia de um boneco III}


casulo... de ideias
         ... de projectos
         ... de sonhos
         ... de esperanças
há coisas que precisam ficar embrulhadas cá dentro. metamorfosear-se.
nem todas vêm a luz do dia. essas ficam [res]guardadas num manto agridoce, no fundo do que somos.

nota: o casulo tem um bolso para guardar palavras.

[falta ainda fazer um saco para guardar o casulo. e usar as rendas, o galão e o bordado inglês]

27/01/2011

partilhando bocadinhos de Inverno...

este post. encantaram-me os contrastes. a simplicidade.

espreitem também este.

um hotel muito especial na Suécia. a sua construção aqui.

e ainda este no Canadá.

25/01/2011

[anatomia de um boneco I]


peça de lã sem uso feltrada na máquina da roupa.
tecido de mistura de linho.
pedaços de vintage - botões, rendas, galão e bordado inglês.
enchimento anti-alérgico.

Inverno...

Dentro do café a azáfama era grande. Acho que esta aumenta durante o Inverno, altura em que os dias pedem abrigo da chuva, neve, frio ou vento. Hoje, também eu me refugiei num após um passeio gelado com o filho mais novo. Parámos para um chocolate quente. Não fomos os únicos, as bebidas quentes eram decididamente imperativas num dia como o de hoje. As conversas e os risos cruzavam-se no ar.
Inverno. Procura-se aquecer o coração que nesta época do ano grita mais alto por aconchego. Habituá-lo a viver sem o que o vento outonal levou. Coisas foram varridas. É tempo de criar espaço para a novidade da Primavera. É o momento certo para preparar o terreno e ansiar por uma brisa amena, que aqueça como um abraço.
O sol esconde-se timidamente ao ver a névoa crescer e por vezes arranca os sorrisos. O deserto instala-se. Hoje, o sol espreitou corajosamente rasgando as nuvens, dando um vislumbre do seu esplendor. O dia cinzento conheceu uma cor diferente. Hoje, por instantes, fui recordada da Primavera.

24/01/2011


é uma comichão que se sente
   às vezes nas mãos
       às vezes na cabeça
           às vezes no coração.
irrequieta ou quieta. barulhenta ou silenciosa.
alimenta-se de nós.
também nos alimenta. ou então deixa-nos sós.

lá fora...



e cá dentro...